Pôr-do-sol na estrada

(Texto extraído do blog que sou super fã Cracatoa Simplesmente Sumiu . Obrigada  Ale)



Existem poucas coisas tão belas quanto um pôr-de-sol na estrada.

Nessas horas, abra as janelas, a do motorista, a do passageiro, tantas quantas houver no carro. Abra todas. Deixe que o vento entre e traga, como que da distante bola de fogo, o hálito da tarde.

Se eu fosse meu bisavô Eduardo, que diziam ser muito sábio, nessas horas – com o olhar voltado não para o sol, mas para as belíssimas nuvens rosadas – eu diria sussurrante que a brisa morna é um remédio, que cura o passado e nos alivia do peso do futuro, levando tudo para trás.

Com o olhar voltado para as nuvens: pois o sol é belo, mas o será ainda por milhões de anos. Muito mais tempo que a efêmera vida humana. A nuvem não. E ela lembra que, apesar de fugaz, nossa estada – se comparada à vida das estrelas, meros segundos – deve ser, também, bela.

Nesse momento, segure a mão da pessoa que estiver ao seu lado. Sinta que na pulsação dessa palma e dedos está ainda a primeira manifestação de quando sol, nuvem, árvores e tudo o mais que se vê em torno eram uma coisa só. Talvez ainda sejam.

Se for a mulher ou o homem amado, sinta ainda mais. Pois o primeiro beijo é fácil de lembrar, mas o último nunca se sabe quando será. As coisas mudam sempre e sempre mudam mais rápido do que estamos preparados para aceitar. Ainda assim, aceite. E entenda que essa mão, dessa mulher ou desse homem, esse vento e essa paisagem são as únicas coisas que possui nesse momento. Portanto, você nada possui. Nada, além desse instante. E ele já passou. Passou de novo.

Daqui a cem anos, quantos de nós estarão ainda vivos. Três? Dois? Nenhum? Diante disso, o maior dos problemas humanos se reduz a nada. A conta de telefone atrasada e a fome na Somália, a roupa nova e a salvação de muitos. Quanta pretensão, quanta mágoa e, até mesmo, quanta alegria e quanta sabedoria humanas, quantos desejos satisfeitos e insatisfeitos, desmantelados sob uma mísera dezena de décadas. Muitos de nós sequer serão lembrados depois disso.

No entanto, não pare o carro nem desista da vida, nunca. Continue, se necessário, apenas pelo prazer de saber onde tudo isso vai dar. Acredite, isso é mais do que suficiente para acelerar um pouco. Mas também serve de motivação para, talvez, reduzir a velocidade e aproveitar melhor a paisagem.

E, sim, pague a conta de telefone, logo que possível.

O vento que entra pelas janelas do carro, mesmo que você não perceba, ou não escute, ou não entenda, conta uma história a uma parte de seus ouvidos que nem você sabe qual é. E é a história de outros homens e mulheres que em outros tempos e em outros lugares dedicaram um instante de suas vidas para escutar a sutil movimentação do ar. Nessa hora, você é igual a todos eles. Nunca foi diferente. Essa narrativa invisível é mais redentora que qualquer sacrifício e tem a doçura da cantiga de ninar um dia ouvida no colo materno.

Quando o sol já tiver se posto, feche as janelas. Convém cuidar da saúde, diria meu bisavô Eduardo, mexendo em suas ervas.

Não esqueça de acender os faróis, diria também. E ele nem sabia dirigir.

2 comentários:

Tati disse...

"a brisa morna é um remédio, que cura o passado e nos alivia do peso do futuro, levando tudo para trás." Isso é lindo demais.

Raquel disse...

Aprender a aproveitar a paisagem... e siga feliz =)
Lindo texto! Parabéns! :D

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